Tuesday, April 14, 2009

Deixa-te levar


O problema de tudo isto é não nos deixarmos levar, seria tão mais fácil se o fizéssemos. Mas não, a desconfiança que se instalou em nós impede-nos disso. A mesma que de nós se apoderava, no tempo em ainda não existia uma moeda única como agora existe o euro. Ia-se a Espanha comprar caramelos, enchia-se o saco com as pesetas cambiadas e ficava-se ali, de olhar desconfiado, a ver se o homem se enganava nos trocos. E o homem dava-nos o troco e mesmo depois de termos confirmado que estaria certo – e estava certo - ficávamos sempre com a sensação, que de uma forma ou de outra, teríamos sido levados. E se calhar, tínhamos.

Crescemos a ouvir isto: “ Tu não te deixes levar!” e só agora percebo o mal que nos terá feito. Crescemos tanto, ficamos tão adultos, tão sábios, tão certos de tudo e de todos, que desaprendemos a deixar-nos levar. E eu quero deixar-me levar, como quando eu era mais pequeno e alguém me dizia “ vamos por ali!” e eu, sem que conhecesse o caminho, ia por ali, deixando-me levar, até que o fim do dia me devolvesse a casa ou uma carrinha daquelas camarárias.

O mundo está perigoso, dirão. Está bem, concordo, mas não é por isso que eu deixarei de sair à rua. Do mesmo modo, que não me deixarei de entregar a quem pouco ou nada saiba. Por mim, pode ser às escuras, que eu já vejo tanto. Por mim, pode ser já agora que amanhã é longe. E não quero saber de tudo, não preciso. Mania esta de que querermos saber tudo com detalhe. Eu não. Quero ter dúvidas e muitas de preferência. Quero ter boas dúvidas. Quero sentir que pouco ou nada sei sobre aquela pessoa como se esta fosse um livro novo que ainda não começamos a ler. E não, não quero saber a história, não preciso que me contem o filme todo porque já tenho o livro e quero lê-lo. Do mesmo modo que tenho uma vida e quero vivê-la sem grandes sinopses. Eu não quero saber de tudo. Que graça tem explicarem-me tudo, antes mesmo de eu o ter percebido. Isso é contarem-me o filme e eu quero ir vê-lo à sala de cinema.


E aqui chegado, o que eu quero, é deixar-me levar mesmo que perceba que me estou a deixar levar. Era preferível que não percebesse mas o que é querem? a idade adulta deu cabo disto. Por mim podem enganar-me à vontadinha, dizer que o amor é para sempre e que o Benfica ainda vai ganhar o campeonato – eu acredito, vos juro - podem afiançar-me que eu sou a única pessoa na vossa vida e a mais importante de todas elas – eu acredito, eu acredito – que é bom investir agora em acções – em compro, eu compro.

Daí que não queira fazer mais perguntas, por mim, está bom assim. Quero deixar-me levar. Já hoje. Daqui. Agora.

17 comments:

  1. Olá

    Já me senti tentada a comentar inúmeras vezes, mas como normalmente já havia comentários de comentários....
    Desta deixei-me levar e digo:

    Nunca gostei muito de ti, é que não achava piadinha nenhuma aos programas de tv nada...até conhecer o teu blog, e tenho a dizer-te que és hoje para mim um dos melhores escritores que conheço, pois apesar de ser muito nova(21 anos, vá não sou assim tão nova, estou lá) leio imenso, muitos livros e muitos blogs, papo tudo o que se diz cultura e livros e mesmo assim não deixas de ser um dos melhores escritores que conheço.
    Tens o dom das palavras acertadas e das descrições perfeitas.


    Dou-te por isso os meus muitos parabéns, cheinhos de inveja, mas sinceros :)

    ah e parabéns também pelos monstros, pelo festival da canção alternativo, e pelos outros projectos que mesmo sendo alternativos não deixam de ser os mais interessantes.

    ReplyDelete
  2. "Não sei para onde vou, sei que não vou por aí!", a antítese de "Não sei para onde vou, mas tira-me daqui!"! E sendo assim em que ficamos? Se na altura em que nascemos é um tira-me daqui e quando nos formamos é um não vou por aí? Exclusividades não existem, somos uns e outros de acordo com o local onde estamos. Benditos os que nos trouxeram enganados ao prazer, malditos os que nos levaram aos limites da nossa existência. Tudo se resume ao movimento, não estagnar, circular, mexer,sair expandir e tudo isto para não implodir; independentemente de quem nos leva, se alguém nos trará, se o nosso corpo parte e o corção fica. "Não pares de lutar, agarra o dia ao nascer, há uma batalha a travar, só tu podes vencer!" loll bom trabalho! abç

    ReplyDelete
  3. É isso. Embora um gajo por vezes se deixe levar demasiado facilmente (eu mais ou menos), eu gosto de ter um pé atrás, não é que me ajude muito, mas pronto. O que desconfio mais é quando dizem bem de mim, não estou habituado, por isso penso que é só para me fazerem sentir bem.

    ReplyDelete
  4. varreste-me! Gosto do ritmo com que escreves. Juro que sim!
    O meu estado está intrinsecamente ligado a este texto...não querer saber o que se passou, não é preciso, leva-nos a um estado tão deprimente que só nos vem à cabeça o tão célebre "Porquê?". O melhor é mesmo isso que disseste: deixarmo-nos levar, fechar os olhos e acreditar que estamos a seguir o melhor caminho. Que é mesmo assim que somos felizes, que os poucos instantes nos preenchem pelo tempo que deixámos passar em vão.

    Hoje sigo o que me empurra, o que me dá a mão(o que me abriga com palavras meigas, olhar doce, sorriso de menino), amanhã não sei, não quero saber...e se doer? Que arda, mas que arda com bastante força para me confortar no cliché.

    É ler e seguir-te.
    [e cada vez que comento divago demais]

    um beijo*

    ReplyDelete
  5. Deixa-te levar Alvim, mas nao te esqueças de levar um palito, um cordel e uma garrafa de bagaço...Digo eu. Ao MacGyver deu jeito.

    Fica bem.

    ReplyDelete
  6. Transcrevi um parágrafo teu - sem autorização, mas devidamente identificado. Hoje, fez-me todo o sentido.

    ReplyDelete
  7. Estás pouco apaixonado estás. Caso não estejas, dá a sensação que não te importarias nada. Belo texto, adorei, é isso tudo, tal e qual.

    ReplyDelete
  8. Estás pouco apaixonado estás. Caso não estejas, dá a sensação que não te importarias nada. Belo texto, adorei, é isso tudo, tal e qual.

    ReplyDelete
  9. Mtos Parabéns! O post está excelente! Tens o dom da escrita! ;)
    Continua, os teus textos são sempre um lufada de ar fresco!
    Obrigado por manteres a língua portuguesa fantástica! :D

    E parabéns pelo festival da canção alternativo foi mto bom e de mto creatividade! ehehe

    ReplyDelete
  10. Já me deixei levar muitas vezes e em variadissimas situações, mas não fui a lado nenhum... agora não me apetece!

    Um bj para ti Palerma

    ReplyDelete
  11. Let go do filme Garden State, agora não me lembro da banda...
    É a música do teu texto!

    ReplyDelete
  12. Hoje em dia é profícuo o passo dado com fita métrica ao lado, porque arriscar da-lo de forma não mensuravel pode ser perigoso. Não obstante, o mundo e a vida são céleres e porquê não cair de vez em quando? "Só se deprime quem não se deixa entristecer" dizia um professor meu de Faculdade. E é verdade. Porque a felicidade é termos tudo o que nos importa e não nos importarmos com nada do que não temos. Quando temos, mesmo que conhecendo superficialmente, vamos profundamente. Se tivermos que voltar simplesmente já tivemos, e isso embora seja complexamente inexplicavel e doloroso, tatua-nos o peito para sempre! Que assim seja, ou já tenha sido...

    ReplyDelete
  13. O texto está excelente, e retrata exactamente o que ultimamente tenho sentido, adorei especialmente esta passagem: "Por mim, pode ser às escuras, que eu já vejo tanto. Por mim, pode ser já agora que amanhã é longe.".

    Honestos parabéns :)

    ReplyDelete
  14. I dare!! :)))
    Gostei tanto!Estou plenamente de acordo, levem-me.. que eu deixo ;)))
    Bjis

    ReplyDelete
  15. Certamente não teria dito melhor :)

    Beijinho

    ReplyDelete
  16. Deixa-te levar por mim.... A sério que serás o único na minha vida (pelo menos naquele momento em que te deixes levar por mim...) Prometo. E hoje. Realmente amanhã é longe...demasiado longe. Anda,eu levo-te daqui. Momentos. É a única coisa que levamos deste mundo.

    ReplyDelete