Monday, September 09, 2013

Um nome madrasto

É urgente inventar-se uma nova denominação para padrasto, madrasta e enteado. E tem de ser já, antes que deixe cair no chão uma jarra de cristal lindíssima da Vista Alegre. Na verdade, não sei se estamos perante um caso de desgaste natural ou se sempre assim foi, mas o que me parece - e disso não tenho dúvidas - é que todos os intervenientes sentem um certo embaraço quanto têm de verbalizar qualquer uma destas denominações. Não é fácil dizer "o meu padrasto" sem olhar para um lado e para o outro como se fossemos atravessar uma estrada com movimento, não é de ânimo leve que dizemos "aquele ali é o meu enteado"sem que a outra pessoa não fique desde logo a pensar quem será a mãe ou o pai biológico. Aliás, em qualquer um destes casos, mas sobretudo neste último, deveria desde logo dizer-se de uma forma contundente, quem é ou quem foi a outra pessoa mais chegada a nível biológico. Algo como: "ora aqui está, este é o meu enteado, o pai é o meu namorado actual, a mãe é professora de biologia na Escócia, uma jóia de pessoa". Ou então: "eis a minha madrasta, a minha mãe está óptima mas sabes como é, o meu pai desde muito cedo percebeu que não tinha nascido para a monogamia". Isto já seria bom, porque é essa a pergunta que todos querem fazer depois de nos ser dito que é o padrasto, a madrasta ou o enteado. Sempre duas: quem é a mãe e o pai biológico?

Ser padrasto ou madrasta ou enteado pode ser uma pesada herança para quem a tem e esta denominação, este baptismo, afasta quando devia chegar perto e incluir. Veja-se o recente caso dos nossos velhos que de repente começaram a ser tratados por seniores. Soa ou não melhor? Dá um ar mais leve ou não à condição de idoso? No fundo, é como estarmos sempre a lembrar a idade às pessoas. Ou a lembrar diariamente que determinada pessoa não é nosso pai, ou nossa mãe ou nosso filho verdadeiro? Quando muitas das vezes é tão ou mais importante.

Por isso, das três uma, ou se trata pelo nome próprio (talvez o mais utilizado) ou não se faz qualquer distinção verbal, ou se criam melhores denominações que soem a filho, mãe ou pai. Dos bons, que é disso que falamos.

Fernando Alvim
Publicado originalmente no jornal i
[Fotografia de Henri Cartier-Bresson] 

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