Monday, July 08, 2013

O amor tem de saber a mar


O amor bem que podia ser vendido no mercado da ribeira. Pela manhã, no meio de frutas e legumes, alguém gritaria por entre os cestos " olha o amor fresquinho! E embevecidos por isto, os fregueses abeiravam-se da banca e iam pedindo o que lhes faltava. Era um quilo de amor, se faz favor. Queria duzentos gramas para levar para a minha filha se não se importa! Olhe se for fresco - é fresquinho não é? - levo já umas duas doses. E todos sairiam do mercado cheios de amor, entranhado na pele, na roupa, nos lençóis da cama. O amor quer-se fresco, tal qual o peixe na lota. O amor tem de saber a mar, a terra húmida depois da chuva, a leite do dia à porta de casa. O amor tem de ser também do dia porque, se assim não for, acontece-lhe o mesmo que à manteiga quando está há muito tempo no frigorífico: fica rançosa. E o amor não se quer rançoso - não quer não - e por isso quem ama ou já amou ou ainda virá a amar mas ainda não sabe disso, facilmente saberá que mesmo nos dias de maior calor, o amor - tal como o fogo - não pode nunca ser congelado. Quando muito pode extinguir-se, apagar-se com umas mangueiradas de água, agora congelar para servir mais logo, não creiam nisso. O amor quer-se de vez e quando se dá, vai por ali a eito, lavrando encostas, galgando montes, galopando por entre os cabelos. O amor é um incêndio que os bombeiros não conseguem controlar. E quando o chefe da corporação diz que ele não está circunscrito, para mim é sobre o amor que fala em forma de fogo. O amor é um incêndio sim, incontrolável sim, se verdadeiro, nunca será circunscrito.

Fernando Alvim
Publicado originalmente no jornal i

1 comment:

  1. Se isto fosse como diz o Alvim, e o amor se comprasse, pela fresquinha, no mercado da Ribeira, é certo e sabido que a minha avó seria a primeira pessoa na fila. "É para minha netinha, que bem precisa".

    Ao contrário do Alvim, eu acho que o que se devia poder comprar era o desamor. Na farmácia. Um comprimidozinho como aqueles para as dores de cabeça. Eu, assim que sinto uma pontada, já sei que vem dali enxaqueca. Enfio logo um nimed no bucho, que é por causa das coisas. Devia haver o mesmo para o sentir coisas (sejamos precisos que de amor sei muito pouco). Eu, assim que sinto um arrepio na espinha, já sei que vem de lá coisa. E, hoje em dia, não pode haver coisa. Não, se não nos derem o direito. Diz que temos que receber carta verde, senão é uma chatice. Ele depois tem que dizer que nunca nos enganou e nós vamos fazer finca pé "que faço eu agora com isto?. Deito ao lixo? quando tantos morrem de fome de amor (perdão, de sentir coisas, que eu de amor sei muito pouco)?". É que o Alvim tem razão, o Amor (ou sentir coisas) não se congela. Quer-se fresquinho. E que nem vos passe pela cabeça congelar segunda vez. Toda a gente sabe que descongelar e voltar congelar dá azo a salmonela. Uma chatice.

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