Monday, June 17, 2013

Um interesse platónico

As pessoas só falam no amor platónico mas o platonismo não existe só no amor. O platonismo é de todos e tem uma característica comum: nunca é bom. E o do amor nem sequer é o pior. O amor platónico comparado ao trabalho platónico é um menino . O trabalho platónico é muito pior, porque é muito bonito trabalhar imenso e ser o empregado do mês e ter a nossa foto muito sorridente colada na parede, mas se formos os únicos, é uma chatice. E das grandes para não variar. São precisos dois para dançar o tango e às vezes não aparece ninguém na pista. E com o interesse platónico também é assim. E para termos interesse por alguém não temos de estar forçosamente  emocionalmente comprometidos ou sexualmente atraídos. Embora isto custe e rareie – e custa e rareia – a verdade é que podemos estar muito interessados em alguém e esta pessoa não estar. Repito: não é amor, nem atracção sexual, é só interesse, não há aqui jogos de espelhos nem ideias de banho juntos, é só interesse, de roupa vestida, de conversa civilizada, amizade purinha como uma boa água mineral. E no entanto, mesmo sabendo disso, há muita gente que rejeita. E isto custa mais que o amor, porque não se pede nada. O interesse é mais gratuito, se é que me entendem. O amor é mais caro, pede mais e tira a roupa. E esse é o grande problema do interesse platónico e que o torna bastante mais sofrível: é que mesmo desinteressado e gratuito, ele nunca irá entender porque não o querem.  

Fernando Alvim
Publicado originalmente no jornal i
[Fotografia de Sarah Mei Herman]


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