Friday, January 18, 2013

BLOGUE MEMÓRIA VII

Recordar é viver, como diz a canção, e hoje fomos buscar um texto de 2007, mais especificamente de Novembro de 2007. Na altura falava da verticalidade - o que vem muito a propósito, porque quem diz vertical diz hirto, quem diz hirto diz teso: e teso anda muito cidadão nos dias que correm. 

Uma posição


Vivemos num tempo em que todos têm uma posição e a verticalidade – não sei porquê – é mais elogiada do que as outras. As pessoas gostam de pessoas verticais e isto já vem de tenra idade quando nos davam um calduço e nos diziam “Põe-te direito pá!”. E nós púnhamos, como se estivéssemos numa parada militar nos instantes que antecedem a passagem do comandante das forças armadas.

Na política a verticalidade é igualmente um ponto de honra e não há memória de alguém alguma vez ter dito algo como: “Bem, respeito o senhor deputado, porque teve uma posição de grande horizontalidade!” - da mesma forma que rareiam as pessoas que admitem optar por uma posição intermédia por dar um ar pouco decidido. A regressar a alguma coisa, que seja à posição inicial, que habitualmente significa que as negociações não resultaram em nada e que há aqui mão do Joe Berardo.

No futebol por exemplo é notória a frequência com que se diz a meio de um relato “Aí está Nuno Gomes em muito boa posição para marcar, vai arrancar, atira e aí está, escandalosamente ao lado! Minha nossa senhora!” Já nas discussões conjugais, é quase certo que no intenso calor de troca de acusações alguém dispara “Desculpa, como é que tu podes dizer que dás mais atenção aos miúdos do que eu, tu não estás em posição de dizer uma coisa dessas “e dito isto, atira-lhe com toda a força com uma terrina da vista alegre ao dorso frontal. Os putos choram.

Um patrão meu, ao mínimo sinal de indecisão por parte de alguém em aceitar os seus desafios dizia sempre isto: - “Ouve meu bom rapaz, tu tens duas posições que podes tomar – a demissionária - que passa por abandonares o que te proponho sem que isso dê lugar a qualquer indemnização - ou a pró-activa - que implica não só aceitares isto com unhas e dentes, mas sobretudo fazeres com que isto obtenha o êxito que ambos sabemos que podemos alcançar”. E posto isto, abraçava o empregado e dizia invariavelmente: Vamos lá, seguido de um sonoro palavrão! – E isto para quê? Precisamente, para afirmar a sua posição. Já repararam que ninguém nega a sua posição e quando confrontados com essa possibilidade respondem sempre do mesmo modo. Alguém acusa: “O senhor está a negar a sua posição!” E do outro lado é direitinho que alguém responda: Pelo contrário, estou precisamente a afirmá-la! Porque eu tenho uma posição a manter.

Ora essa, todos nós temos uma posição a manter, seja na mesa de jantar – a minha é ao centro em frente à televisão – no sofá – do lado direito, encostado à porta e cheguem-me duas travesseiras para eu me esticar – e também na cama, onde há uma tese que defende que o homem dorme sempre do lado da porta para proteger a sua companheira. Sozinho, durmo do lado direito. Acompanhado, reparo agora que também. Sim, que eu sou muito forte. Contudo, há quem não tenha nenhuma, as mesmas que ao não conseguirem dormir desabafam “Não encontro posição” como se para dormir fosse preciso uma. E é.

Há de resto pessoas com posição e outras com exposição, neste último caso, pessoas que já tiveram posição mas que agora não têm, daí o ex-posição. Outras, gostam de dizer “O senhor está a deixar-me numa posição incómoda” enquanto é frequente ouvirmos comentários de ciclismo que dão conta que determinado atleta “está a ganhar posição em relação aos seus mais directos perseguidores”. Para mim, apenas guardo este ensinamento: Quem tem sempre a mesma posição, mais depressa tem uma cãibra. (verdade, é assim que se escreve).

Fernando Alvim
[Fotografia de Yaroslav Belousov]

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