Thursday, November 08, 2012

Sentadinhos no futuro



Aqui em casa os relógios estão sempre 5 minutos adiantados. Às vezes 10. Faço-o para não chegar nunca atrasado e não para chegar antes. Numa outra vida devo ter sido um guarda-freio britânico, daqueles que passavam a vida a olhar para os carris, depois para o relógio, depois para os carris, depois para o relógio e chegados aqui que já cansa, com um impronunciável british accent, como se tivesse duas maçãs na boca, dizia “oh yeah, just in time sir!”. Gosto de chegar a tempo e não antes, porque me incomoda esperar. A não ser que seja no futuro. Não me importa esperar no futuro, de todo, sobretudo por aqueles que ainda vivem no passado ou presente. Se querem saber, dá-me até gozo. E acreditem que é muito divertido cortar a meta muito antes, e ver os outros de mãos erguidas em sinal de vitória, erguendo o peito, a barriga para a frente que também conta, enviando beijos ao melhor estilo Rosa Mota, à Rosinha, lá para casa, olhando para o céu e agradecendo ao senhor, não fazendo caso, de nada importando, que a fita lá não esteja.

Não me importa chegar antes, quero é chegar a tempo. De tal modo que me minto e engano todos os dias. E todos os dias acredito que já estou atrasado quando afinal chego a tempo, às vezes até antes. O que não pode acontecer é esperarem por mim. Não pelo embaraço, mas porque isso significa invariavelmente que eu pertenço ao passado, quando muito ao presente.

Portugal tem  pois que adiantar 10 minutos aos ponteiros do relógio para chegar sempre a tempo, para que nunca se atrase, para que ninguém tenha necessidade de esperar por si com aquela misericórdia do “ai coitadinho”, Portugal  é coitadinho o ... (aqui que se diga em voz alta um palavrão feio); a sermos, ao menos que disfarcemos e façamos por não o ser o quanto antes. Para que nunca esperem por nós, para que cheguemos sempre a tempo, para que, quando muito, sejamos nós a esperar por todos. De preferência, sentadinhos, no futuro.  

Fernando Alvim
Publicado originalmente no jornal i
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