Thursday, October 11, 2012

O Professor Karamba dos tempos modernos


Achei que deveria cortar com o telejornal e assim fiz. Desde há duas semanas que vivo numa vitrina de vidro e embora tenha a noção de que exista um mundo lá fora, não o ouço. E vejo-o muito mal. E ainda bem. O que vejo de longe e a mudez que decifro diz-me que é mais do mesmo, que alguém matou outro alguém por um assunto trivial, que foram decretadas mais subidas de impostos que toda a gente diz não suportar, que um outro país está em guerra por não tolerar que a vingança fique do outro lado, que uma família inteira passa mal por nenhum dos seus ocupantes usufruir de um salário, que se prepara uma greve, que se preparam duas, que se cortará uma estrada não tarda nada, que não se concorda com o ministro, que o secretário é isto e também aquilo, que o governo não presta, que na televisão os programas são maus, que aquele senhor não sabe o que diz, que a distinta senhora é afinal de má conduta, que há polémica na atribuição do subsídio, que houve um roubo mas só agora se soube, na tomada de posse da nova gerência, que só neste país é que isto acontece, que mais uma desgraça se acometeu junto dos mais desfavorecidos. E é isto. É aquilo. Daí que tenha cortado com as notícias porque as adivinho e eu não gosto de coisas previsíveis. Aliás, do mesmo modo que há uns anos atrás a RTP – sim a RTP – chegou a ter um serviço de informação em tudo igual ao da meteorologia, que dava as previsões para o trânsito (haverá ventos fortes em Pina Manique, dia mau na vci), eu estaria capaz de ser responsável de um serviço que previsse com exactidão britânica o que iria acontecer nos dias seguintes como se fosse o Professor Karamba dos tempos modernos. Contudo fiz exactamente o oposto e decidi que não quero prever nada, o presente basta-me e desde há duas semanas que não há dias seguintes para mim, nem crimes, nem crise, nem nada. Para todos os efeitos, estou num país onde não há rede em lado algum e a electricidade é um bem raro. Estou numa vitrina de onde não ouço nem vejo ninguém. E assim, espero ainda esta semana ser convidado para o governo.

Fernando Alvim
Publicado originalmente no jornal i

No comments:

Post a Comment