Sunday, March 11, 2012

Nada de nada



Há uma glorificação da ignorância eminente a que ninguém pode estar indiferente e eu não estou. E explico porquê. Ser ignorante nos dias de hoje não é para quem quer, é para quem pode, e isto pode não ser tão fácil como à partida se poderá julgar. Não saber rigorosamente nada, nada de nada, nadinha, implica um esforço hercúleo. E eu estou do lado desta gente. Não saber a capital espanhola ou onde fica o continente africano não está ao alcance de todos, do mesmo modo que é raro, embora muitos digam conhecer, encontrar alguém que não saiba quanto é 1+1 . Eu duvido sempre quando mo dizem e já não é a primeira vez que, quando me revelam que determinada pessoa não sabe sequer quanto é 1+1, me meto a caminho em busca dessa pessoa e, não me importando com o resto, pergunto-lhe quando finalmente a encontro: quando é 1+1, senhor? E, invariavelmente, este responde com argúcia: São 2, meu caro. E são mesmo.

Daí toda esta glorificação. Perceber que estamos perante uma ignorância no seu estado mais puro é divertido e enternecedor. E isto explica porque gostamos tanto do que dizem as crianças. Porque a sua ignorância inicial, o seu porquê, a forma desajeitada e inventiva como respondem ao que não sabem, atirando para o ar uma resposta à sorte, faz com que sintamos por elas, não um embaraço pela sua ignorância, mas justamente o oposto, uma incontida e inexplicável alegria que faz com que errar seja divertido.

É por isso que, quando estas crianças crescem e entram na idade adulta, esse erro é ainda mais glorificado, como se não tivessem crescido – puras, portanto –, como se tivessem resistido a tudo e, pelo meio, ao mais básico dos conhecimentos. Ser totalmente ignorante tem que se lhe diga e, neste caso, não há nada a dizer, no sentido absolutamente literal. Quem sabe tudo não diverte e entretém, não se transforma num viral desses que vemos por aí no nosso mail, não faz com que todos se reúnam à volta do computador para rir, em alegre convivência, dessa nobre arte de não saber nada. Mas atenção, uma pessoa mais ou menos ignorante não vende, o que vende, sim, é sê-lo totalmente. E quem se encontra neste delicado e glorioso domínio, para se manter activo, tem de se afastar do mundo, desligar a televisão, não ler jornais nem livros, não ir ao cinema nem à escola, não buscar o mínimo conhecimento que lhe possa afectar o grau zero e tão puro que possui. Só assim atingirá a glória: a glória de não saber nada de nada e, por isso mesmo, ser o herói entre todos os que sabem, mesmo que só um bocadinho.

Fernando Alvim
Crónica publicada originalmente no Jornal i.

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